Começamos a Quaresma recebendo em nossas cabeças as cinzas da nossa vulnerabilidade humana, da nossa finitude, da nossa “volta ao pó” de onde viemos. Somos Adão, saímos do pó da terra (Gn 1,7), viemos “de baixo”. Mas não podemos esquecer que recebemos a luz que vem do alto o sopro vital do Criador, fonte de vida. O batismo é o sacramento da nossa iluminação porque traz à tona o que somos como criaturas de Deus. E o rito batismal deixa claro que em Cristo, o novo Adão, nos tornamos “filhas e filhos da luz”.
Não é por acaso que, no auge do ano litúrgico da Igreja, a vigília da noite pascal começa com um rito de iluminação. A pessoa é iluminada, toda a comunidade reunida é iluminada pelas chamas das velas acesas na luz de Cristo; a própria noite é iluminada. Para Augusto Bergamine, “a imagem da noite iluminada, expressa, no plano simbólico, melhor que qualquer conceito, o mistério da Páscoa”, a travessia da escuridão à luz. No rito de renovação das promessas batismais, no contraponto do “tu és pó”, de novo com velas acesas nas mãos, renovamos nosso propósito de andarmos como filhas e filhos da luz “transpondo vitoriosos as portas do Paraíso”.
A noite pode ser vivida como uma metáfora poderosa , e ao receber a marca dos ritos litúrgicos torna-se um símbolo de primeira importância. A escuridão, longe das distrações sensoriais do nosso mundo, força-nos a voltar-nos para o si mesmo. Mais simbólica ainda é a noite, quando se rende diante das pequenas luzes das velas, que abrem crateras de claridade, vencendo o seu poder. Jean-Yves Leloup lembra, poeticamente, que “nós somos poeira que dança na luz”. Mesmo carregando o peso da finitude humana, ainda que passemos por duras experiências de sermos reduzidos a cinzas, cremos no poder da luz que dissipa as sombras. Até mesmo situações irreversíveis mostraram o seu lado luz (“Ó feliz culpa”, cantamos no Exulte), quando se tornaram uma oportunidade de reinventar a vida. Como não incluir em nossas memórias a noite escura do próprio planeta Terra, que nos gerou e que é, agora, depredado e duramente violentado. Só a noite testemunhou a ressurreição de Jesus. “Ó noite, só tu viste a hora”. Muitas vezes é a noite que nos traz a iluminação.
Esta edição traz contribuições que emergem da experiência de bem celebrar e nos incentiva a encontrar na liturgia a “porta santa” de nossa jornada espiritual. Dom Jeronimo nos ajuda a ampliar o olhar sobre o acender das velas na noite da Páscoa e nos convida a mergulhar no mistério da luz, que vence a escuridão no próprio ato de celebrar. Pe. Marlon, com a clareza que lhe é própria, põe luz sobre o Lecionário dominical e festivo, nos seus aspectos histórico, ritual e de espiritualidade. Pe. Márcio defendendo a interação entre catequese e liturgia, faz ver que a catequese cumprirá sua tarefa de expor o Mistério da fé, se contar com a liturgia, forma atual e atuante da Revelação. Damásio, depois de apresentar aos leitores da nossa Revista o grande Romano Guardini, traz à luz PIUS PARSCH (1884- 1954), pioneiro da “participação ativa” na liturgia. Frei Wanderson oferece o tom da música na quaresma, à luz do salmo 91 e pe. Rodrigo, fala do lugar e do sentido da ladainha de todos os santos. Ainda nesta edição o relato de uma peregrinação neste ano em que a Igreja, abre as portas para o Mistério da Reconciliação
Avaliações
Não há avaliações ainda.