Na América Latina, durante cinco séculos, o cristianismo ficou marcado por uma linguagem espiritual e litúrgica que realçava a cruz e o sofrimento. Apesar disso, o povo dos terreiros, as comunidades indígenas e os pobres de tantos sertões e recantos deste Brasil nunca deixaram de fazer festa, conservando, num patamar quase que subterrâneo, inúmeras expressões de alegria e de fé como gritos de sobrevivência contra a miséria e o esmagamento cultural.
Este espirito festeiro de nossas culturas ancestrais lembra a quem crê no evangelho que a nossa razão para fazer festa é a ressurreição de Jesus. Graças ao movimento bíblico e litúrgico e, sobretudo, graças à irrupção dos pobres como novo sujeito da história, as Igrejas descobriram a importância de fazer festa recolocando no centro da vida a alegria que brota da ressurreição de Jesus e a liberdade do amor como base do caminho espiritual.
Assim, a vigília pascal, sem negar a sexta-feira da paixão, passou a ter lugar de honra no calendário da Igreja. Muitas comunidades descobrem a magia de manter uma noite acordada em honra de Deus, que fez Jesus brilhar na escuridão. Vivem com intensidade os cinquenta dias de páscoa, mantendo o círio aceso e recebendo de cada celebração uma energia nova para ficarem de pé no meio das dificuldades da vida.
Depois da grande festa vem o tempo comum. Mas se o Cristo ressuscitou o dia seguinte já não volta à sua amargura de sempre. À energia da festa impregna de páscoa o ano inteiro. “O que adiantaria festejar com exuberância uma vez por ano se o resto dos dias fossem sem graça e vazios”? Como bem lembrava Guimarães Rosa em Grande Sertão Veredas: “O Deus quer é ver a gente aprendendo a ser capaz de ficar alegre a mais, no meio da alegria, e mais alegre ainda no meio da tristeza”.
Por isso as celebrações do tempo comum devem nos ajudar a prolongar a ternura da festa, de modo que a páscoa possa unificar todas as celebrações do ano numa mesma experiência mística. Esta tarefa é mais difícil do que fazer a própria festa anual. O tempo comum é longo e suas expressões litúrgicas mais discretas. A tentação é buscar novidades e variar o ritmo… Os meses temáticos entraram na liturgia como que para preencher um vazio. O risco é a superficialidade.
Num movimento contrário, a força da novidade está em revestir de autenticidade o que é comum. O melhor modo é simplesmente entrar no cotidiano com tudo o que ele implica de trabalho, disponibilidade, abertura nas relações. O cuidado maior terá que ser com o coração, libertando-nos de uma vida sem sentido e procurando perseverar na opção do amor como um método de vida. Aí, na singeleza de cada rito, será possível viver a experiência do inefável mistério, capaz de “fazer da nossa vida uma festa continua”.
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