O martírio nada mais é que a fé levada até às últimas consequências, até a entrega da própria vida, como fez Jesus. O que haveria de mais eloquente que isso para expressar a íntima relação entre a liturgia e a fé? Eis porque os primeiros santos e santas venerados na liturgia cristã, já no século II, foram os mártires, reconhecidos como verdadeiras testemunhas da páscoa do Cristo e da sua Palavra. E na história da Igreja de todos os tempos, entre os heróis das grandes causas da humanidade, nunca faltaram as Testemunhas da fé, que não permitem aos que creem negligenciar a memória do Cristo, o Cordeiro imolado.
No caso do bispo de El Salvador, Oscar Romero, as próprias circunstâncias do martírio revelaram a estreita união da sua morte com a memória do Cristo. De fato, exatamente quando oferecia no altar o seu sacrifício, ele recebeu o tiro certeiro que, usando uma expressão de Jon Sobrino, pôs o amém pascal às palavras de sua última homilia e a toda a sua trajetória humana e espiritual a serviço do povo de seu país. Não há como negar a profunda identificação de sua vida e missão com o bom pastor, o crucificado-ressuscitado.
O reconhecimento do martírio de dom Romero, após 35 anos, é um marco importante para a vida da Igreja da América Latina e do Caribe que, desde a Conferência de Medellín, em 1968, logo após o término do Concílio Vaticano II, declarou decididamente a sua opção pelos pobres, em tempos de ditadura no Continente. Tal reconhecimento faz justiça à luta pelos direitos humanos, à Igreja das Comunidades Eclesiais de Base, à Teologia da Libertação e a tantos homens e mulheres que morreram pela causa da vida e da liberdade.
Ao honrar o santo, não esqueçamos o profeta, o pastor ousado, evangelicamente irreverente ante os poderes idólatras. Oxalá aprendamos mais sobre sua vida e sua ação pastoral, sobre a mística do seu cotidiano, sobre as palavras de suas homilias e não o transformemos em um santo a quem recorrer na hora da necessidade. Em vez de devoção que espera favores, busquemos nele inspiração para não deixar morrer a profecia.
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