Depois de 40 anos de liturgia renovada, talvez a gente nem se lembre mais do tempo em que a missa era celebrada em latim, quando o padre rezava de costas para o povo. Para os mais jovens, talvez seja até difícil imaginar uma missa em que o povo não participava dos cantos, das respostas, das preces, nem mesmo podia escutar a palavra de Deus em sua própria língua ou participar da comunhão eucarística. Naquele tempo, era impensável um leigo presidir uma celebração dominical, exercer o ministério de leitor, de salmista, ou freqüentar um curso de liturgia para se apropriar dos conhecimentos legados pela Tradição. Só o clero entendia de liturgia, e assim mesmo tratava-se de um conhecimento muito limitado, mais ligado às normas do que ao sentido teológico e espiritual da celebração.
Hoje, um dos critérios para julgar se uma celebração foi boa é verificar se houve participação do povo, com o corpo, a mente e o coração; se os diversos serviços foram exercidos por diferentes ministros e ministras e se foi boa a sua atuação. Há, por toda parte, o esforço de organizar a pastoral litúrgica, com articulação de equipes em vários níveis, contando com a participação de leigos e investindo em sua formação. Todos os rituais estão traduzidos para o português e ninguém mais imagina uma liturgia que não seja expressão não só da língua, mas da vida e da cultura do povo.
Toda esta novidade é fruto do movimento litúrgico, que nasceu no século 19 e deslanchou no início do século 20, ao lado do movimento bíblico e ecumênico, culminando no Concílio Vaticano II, com o seu primeiro documento: a Sacrosanctum Concilium sobre a sagrada liturgia, aprovada no dia 4 de dezembro de 1963. Depois de séculos de estagnação, era mais do que desejável que a liturgia voltasse a ser cume e fonte da vida da Igreja (SC 10), glorificação de Deus e santificação do seu povo (SC 5), trazendo de volta a possibilidade de uma participação plena, consciente e ativa, exigida pela própria natureza da liturgia e pelo direito do povo por força do seu batismo (SC 14).
Quarenta anos depois, entre avanços, resistências e retrocessos, sentimos a urgência de retomar o que foi proposto neste documento, para firmarmos o que conquistamos, para não retrocedermos e para visualizarmos melhor os frutos que ainda podemos colher desta vigorosa semente fecundada pelo Espírito de Deus. Vendo como muitas vezes na Igreja retrocedemos tão rapidamente, talvez o esforço coletivo de retornar à grande inspiração do Concílio Vaticano II ajude a Igreja, povo de Deus, a renovar sua adesão ao Espírito que trouxe o sopro novo de uma liturgia fiel a Jesus. Participando da alegria da comemoração dos 40 anos da Constituição Litúrgica, nossa Revista está trazendo de volta à mente e ao coração os grandes temas que sustentaram até agora a renovação litúrgica desencadeada pelo Concílio.
Neste primeiro número, recebemos como um testemunho espiritual a descrição que dom Clemente Isnard faz da Sacrosanctum Concilium (SC), ele que participou ativamente de todo o processo de renovação litúrgica antes, durante e depois do Concílio. Dedicamos a ele este número de nossa Revista, com todo o amor e o reconhecimento que lhe devotamos.
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