Em meio às densas sombras do momento em que vivemos, anunciasse a páscoa, a mais solene festa das Igrejas em memória daquele que venceu, com sua luz, toda a escuridão e a tortura da Cruz. Por um momento parece-nos impossível celebrar a páscoa em meio a tanta tristeza e aos descaminhos a que o país está sendo levado. Como acreditar na vitória da vida, se a morte teima em reinar nas estruturas do mundo?
No entanto, exatamente porque faz tão escuro é que é preciso cantar, diria Thiago de Melo. Henri Nouwen, em seu livro Podeis beber o cálice?, de dentro de sua própria experiência de luta para vencer o fracasso humano, faz uma afirmação eloquente: “se as alegrias não pudessem estar onde as tristezas estão, o cálice da vida jamais poderia ser bebido”.
Eis porque a vigília pascal começa no escuro, acendendo a luz do círio e, depois, muitas pequenas luzes a iluminar a noite, indicando que “a vitória germina de dentro mesmo da derrota”. A grande noite que abrigou em seu regaço o crucificado-sepultado foi a única a testemunhar a hora da sua ressurreição. A própria noite carrega em seu bojo a luz que transfigura a morte, por isso é proclamada “feliz”, noite que “dissipa o ódio e dobra os poderosos”, “prostra o Faraó e ergue os hebreus”, une de novo a terra ao céu.
Celebrar a Páscoa é “justo” e é “necessário”, pois nos faz crer que a história da humanidade não é um beco sem saída. Quando as ondas da maldade parecem triunfar, ainda temos escolha. Quando a condenação e a morte de Jesus pareciam dar vitória aos poderes constituídos de seu tempo, a fé na ressurreição abriu um caminho novo. A cruz é segredo dos justos, para Jesus foi a expressão mais qualificada do seu amor, capaz de vencer toda provocação e violência.
Este foi o grande ponto de partida da Conferência de Medellín, em 1968. Em plena ditadura, que solapava a soberania e as liberdades em nossa América Latina, os bispos latino-americanos, fiéis ao Evangelho e impulsionados pelo Concílio, ousaram acreditar no protagonismo dos pobres e, assim, um novo jeito de ser Igreja se constitui no continente, comprometida com as lutas do povo por liberdade e cidadania.
Na páscoa deste jubileu, à memória do Cordeiro imolado, associamos as milhares de testemunhas que venceram dando a própria vida, que renunciaram a violência para combater a violência. Invoquemos sua intercessão para que tenhamos discernimento e coragem diante das vozes que comemoram os bárbaros crimes contra a humanidade e chamam de volta a repressão e a negação dos direitos fundamentais.
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