Até o movimento litúrgico que culminou no Concílio Vaticano II, o que se respirava na Igreja era uma compreensão de eucaristia que vinha da prática de adorar o Santíssimo Sacramento dentro e fora da missa, prática que se desenvolveu no segundo milênio. Muitos motivos levaram o povo a se distanciar de uma participação ativa da celebração da Ceia do Senhor, até o ponto de não mais comungar na celebração e de colocar toda a atenção na adoração da hóstia.
Em 1963 com a Constituição Sacrosanctum Concilium (SC) sobre a liturgia, se retoma o conceito de liturgia como memorial do mistério pascal, ponto culminante de toda a vida e missão de Jesus e de toda a história da salvação, situando a liturgia em relação dinâmica com a história (SC 5-8), num movimento de volta às origens bíblicas e à prática da Igreja no primeiro milênio.
A liturgia, particularmente a eucaristia, embora não esgote toda a ação da Igreja (SC 9), é apontada pelo Concílio, como a primeira e mais necessária fonte de espiritualidade (Cf. SC 10 e 14). A partir desta visão houve uma reformulação da teologia com orientações decisivas para uma nova prática celebrativa; a eucaristia passa a ser compreendida e praticada como ação (façam isto) e como memorial da morte e ressurreição do Senhor (em memória de mim) e assim é colocada no centro da vida da Igreja, como raiz de toda a comunidade cristã. A grande novidade da renovação litúrgica foi considerar que o memorial do mistério pascal, segundo a ordem do Senhor, se realiza fazendo o que ele fez naquela ceia derradeira.
Infelizmente, não chegamos a tirar todas as conseqüências das mudanças introduzidas pela renovação litúrgica. A celebração da eucaristia em nossas comunidades nem sempre revelam toda a evolução pela qual passou este sacramento fundamental da fé, e por isso talvez não se impõe como primeira e necessária fonte de espiritualidade. Há ainda a tendência de relacionar a espiritualidade muito mais com a adoração ao Santíssimo do que com a celebração da Santa Ceia. Tal tendência é fortalecida pelo atual movimento, respaldado pelos meios de comunicação social, de volta ao modelo medieval, que acorda no povo sentimentos muito arraigados, que ainda não foram evangelizados pelo anúncio emanado do Concílio Vaticano II.
Neste ano eucarístico, passados 40 anos da SC, talvez estejamos em boa hora de qualificar nossas celebrações eucarísticas, fazendo valer o espírito e as decisões da reforma. Para isso faz-se necessário investir na formação, uma formação que nos devolva a unidade perdida entre o sentido da eucaristia e sua expressão ritual, uma formação que corrija os nossos métodos de catequese desvinculada da experiência celebrativa, para chegarmos, de fato, a participar da celebração com conhecimento de causa, ativamente e para vivermos de acordo com a eucaristia.
Avaliações
Não há avaliações ainda.