Há trinta anos realiza-se, em São Paulo, a Semana de Liturgia, que é promovida pelo Centro de Liturgia dom Clemente Isnard, em parceria com a Rede Celebra e a unisal, e conta com a participação de pessoas vindas de todas as regiões do Brasil. Este ano, em sua trigésima primeira edição, motivado pelo ano nacional mariano [12 de outubro de 2016 a 12 de outubro de 2017], o qual foi instituído por ocasião do Jubileu dos 300 anos do encontro da imagem da Imaculada Conceição nas águas do Rio Paraíba do Sul, no Estado de São Paulo, o encontro teve como tema Maria, a mãe do Senhor, na Liturgia.
O assunto se justifica tanto pela importância que Maria ocupa na história da salvação, que fez com que ela estivesse organicamente inserida na liturgia da Igreja desde os seus inícios, quanto pela imensa veneração a ela devotada no catolicismo popular. No entanto, ao mesmo tempo em que celebramos a Mãe de Deus, verifica-se a urgente necessidade de avaliar a compreensão que se tem a respeito do seu lugar no âmbito da fé. Assim, apesar da reforma promovida pelo Concílio Vaticano II no que diz respeito a Maria, ainda não foi superado o maximalismo, que a exaltou a ponto de deixar Jesus em segundo plano.
O estudo da Semana proporcionou aos participantes acompanhar a evolução do culto a Maria no decorrer da história até os dias atuais. O ponto de partida foi um olhar sobre a figura de Maria de Nazaré na Bíblia, sobretudo nos relatos do Novo Testamento, destacando a sua íntima conexão com o Verbo de Deus que dela nasceu. A seguir, o evento lembrou como a Igreja primitiva a elegeu primeira testemunha do Mistério Pascal de Jesus, discípula protótipo e, nesse sentido, imagem da Igreja. Além disso, tratou também sobre o modo com o qual a representação de Maria foi se distanciando da fonte e adquirindo uma autonomia tal, que inaugurou um calendário mariano próprio, paralelo ao único ciclo pascal do ano litúrgico.
Ao longo da Semana, o foco principal foi a memória de Maria na liturgia, estudo que se realizou com base, de um lado, nas afirmações do Concilio Vaticano II, especialmente na Constituição Litúrgica Sacrosanctum Concilium [1963], e, de outro, na exortação apostólica Marialis Cultus, de Paulo VI, sobre o culto a Maria[1975], ainda tão atuais. A partir desses documentos, insistiu-se no potencial que a liturgia tem de educar o nosso olhar sobre a Mãe de Deus, à luz do Mistério pascal de Cristo. Foi possível perceber, dessa forma, o quanto a memória de Maria no ano litúrgico e as novas formulações oracionais possibilitam que o modo de celebrar manifeste e alimente uma profunda devoção à Mãe de Jesus, sem jamais perder a centralidade do Cristo.
Assim, não se trata de negar os valores da piedade popular. Ao contrário, é determinante reconhecer que o instinto espiritual dos fiéis [sensus fidei fidelis] garantiu, a partir de migalhas de evangelização, expressões profundas em suas motivações (Diretório sobre Piedade Popular e Liturgia, n. 183). A Constituição Litúrgica, em seu artigo 13, e as orientações do magistério na América Latina propõem um caminho de mútua fecundação entre liturgia e piedade popular. Isso nada tem a ver, contudo, com o evidente retorno a uma busca exagerada de proteção e milagres, marcado por um estilo devocional infantil, que o Diretório chama de hibridismo celebrativo distorcido [n. 143], nem se justifica a proliferação de novas devoções marianas e expressões devocionais desvinculadas de uma experiência eclesial sólida expressa na liturgia.
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