Vivemos em um mundo que sobrecarrega a nossa vida de rumores. São tantos os sons e as palavras que chegam até nós, que já não conseguimos prestar atenção e aprendemos mesmo, por questão de sobrevivência, a isolar o som e a não escutar a palavra. Mesmo dentro de nossas igrejas, quantas vezes ouvimos o povo reclamar do excesso de palavras. Nas celebrações, a homilia é sempre a parte que as pessoas gostam menos, porque são longas, porque são de fraco conteúdo, porque são formais e sem autoridade espiritual, enfim, porque são palavras que não falam.
E no entanto, a palavra ainda é uma expressão fundamental da comunicação humana. Na celebração ela tem um papel indispensável. Quando nos é dada a graça de viver uma comunhão de vida com alguém, a palavra é decisiva para sustentar e aprofundar a comunhão. Quanto mais significativa a relação, mais a palavra tem força em si mesma e menos perigo ela corre de ser uma palavra vazia. Em nossas celebrações, de modo especial na homilia, talvez tenhamos que redescobrir a importância da relação como base para que a palavra tenha força simbólica.
Marcelo Guimarães lembra no seu texto que a palavra é sacramento e que a homilia tem função mistagógica, porque ela nos faz mergulhar no rito, seja ele a santa ceia, o batismo, a unção, e, através do rito, deixar-se tocar por Deus que nos revela todo o seu amor feito gesto, capaz de modificar nosso olhar e de reverter a nossa vida para o amor como único caminho. Lembra ainda que, para dar à homilia esta função mistagógica, ministro e comunidade precisam cultivar em sua vida uma relação de gratuidade com a Palavra, praticar a leitura orante.
De fato, a leitura orante da bíblia não busca em primeiro lugar a informação; ela busca o discernimento e o encontro com o Senhor. Leva-nos a ultrapassar uma interpretação de caráter moral, para descobrir a palavra como expressão de uma relação. Ela nos leva a descobrir que o texto bíblico fala de nós e fala de Deus, e começamos a colocar em prática o que o texto diz, como adesão a Deus e como sinal de nossa amizade. E aí, como diz Santo Agostinho, aprendemos mais fazendo o que o evangelho diz do que multiplicando leitura de comentários sobre ele.
A própria homilia não deve estar preocupada em explicar todas as leituras, nem deve colocar toda a ênfase no ato da pregação. A palavra se atualiza no todo da celebração. O que importa é que a palavra seja dada com autoridade espiritual. Quem coordena tem que falar ao coração da assembléia. Há um primeiro momento mais catequético, para dar o contexto da leitura. Depois vem o anúncio, a boa nova de Deus para nós, para a comunidade, para o mundo. Por fim, a assembléia precisa perceber que o Senhor realiza conosco, agora, o que a palavra significa deve então fazer a passagem do verbo para a ação, da palavra para o sacramento, como sinal de outra passagem: do sacramento para o dia a dia, da ceia para o lava-pés. Uma homilia assim qualifica a celebração e pode levar alguém a dizer: Não foi no estudo bíblico que eu recebi a palavra de Deus, mas na assembléia dos fiéis, onde a Igreja falava, onde ela fazia o anúncio…
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