Festa da páscoa! A liturgia da Igreja coloca em nossa boca cantos de glória e de aleluia, cantos de vitória porque Cristo venceu a morte e anunciou o final definitivo de toda a violência do mundo. Anelamos por este canto, com íntima ternura, conhecendo o poder dos acordes que o acompanham, capazes de nos consolar em plenitude… Mas de repente nos damos conta de que há gritos na cidade e bem ao nosso lado lágrimas de aflição e a beira da nossa porta sinais da violência que ameaça. Por todos os lados avisos de exclusão e, mais do que nunca, os gemidos da terra em dores de parto clamando por liberdade. Como podemos, então, entoar a inefável canção da alegria pascal neste tempo marcado pelo terror e pela incerteza de nossa sobrevivência?
Mas os cantares da páscoa, com toda a sua glória, são entoados no coração da noite, após o canto da paixão, à luz de pequenas velas rompendo as trevas. É a noite que agora se ilumina para receber o elogio da Igreja – ‘Só tu, noite feliz, soubeste a hora’-, ela que por primeiro testemunhou a ressurreição… para lembrar que estamos entre o começo e o fim, entre o já e o ainda não, entre o cumprimento e a promessa. Então, o nosso cantar na noite da páscoa é um grito de vitória e de esperança, atento aos clamores que sobem de toda parte! É ato de fé na presença de Deus vencendo a escuridão e o medo, em nossa celebração e no choro de mães e de crianças, de jovens e idosos, de famílias e da própria cidade violada em seu direito-cidadão.
0 cantar desta noite não ostenta poder, mas dissipa o medo, ao proclamar que Deus anunciou sua palavra definitiva sobre a nossa ferida história humana na ressurreição de Seu Filho, e continua presente enquanto houver perdas clamando por justiça e sentido. Afinal, o que seria do mundo se não mais pudéssemos crer que a vida é viável, que a violência pode ter um fim, que no lugar da corrupção pode prevalecer a ética? 0 que seria de nos se não nos lembrássemos que Deus não permitiu que seu Filho ficasse entregue ao fracasso da sepultura?
Nossa alegria não é uma euforia banal, mas é ‘alegria que o mundo não pode roubar’, é a alegria de saber que no meio deste mundo ferido há salvação. Por isso ousamos cantar como ensinava santo Agostinho em seu tempo: «cantem um cântico novo. Não deixem que ninguém venha meter na cabeça de vocês os velhos refrões. Cantem as cantigas de amor de seu pais (…), como cantam os viajantes. Eles cantam muitas vezes de noite. Todos os ruídos que ouvem em torno não assustadores. Mas eles cantam mesmo assim”. Ou então como sugerem Carlinhos Lyra e Vinicius: “mais que nunca e preciso cantar e alegrar a cidade.”
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