A Páscoa é, em sua origem, uma festa de primavera. Rompendo exuberante o rigor do inverno, a primavera trazia consigo, em tempos antigos, além das flores, a colheita da cevada e com ela a festa-oferenda do reconhecimento de que todos os bens são para serem usados, não segundo a lógica da posse ou como resultados dos esforços de quem planta e colhe, mas como dons recebidos da benevolência divina. Nos dias da festa, o sinal da veracidade do rito era a partilha fraterna, para também os pobres gozarem da alegria da bênção. A experiência do Êxodo fez o povo de Israel dar novo significado a esta festa. Sem negar ou superar o sentido da festa agrícola, Israel o radicalizou, a partir do evento central de sua história: a libertação do Egito que inclui a saída da escravidão e a chegada na Terra, passando pelo compromisso da aliança no Sinai. Relacionou a abundância dos frutos, como dádiva de Deus, à sua livre e misteriosa intervenção na história. Os frutos da terra serão sinal de comunhão e não de destruição, se cultivados e consumidos de acordo com a lógica da aliança (cf. Lev 26,3-6). As comunidades cristãs acrescentaram novo significado à festa da páscoa hebraica, a partir da morte-ressurreição de Jesus, apresentada como releitura do Êxodo. Guardaram a relação entre páscoa e primavera, já que nos países do Norte, celebra-se a páscoa na primavera, tendo na própria natureza sinais bem sensíveis do mistério-passagem da morte à ressurreição. Para nós que estamos em outro hemisfério, em pleno outono, o acento é colocado sobre a dimensão histórica. Mas a primavera que desabrocha em flores, deixando para trás o inverno, é uma imagem que, presente em nosso imaginário, expressa o sentido do mistério que celebramos: a vitória da vida sobre a morte. Esta relação entre páscoa e primavera desperta nossa atenção para o potencial cósmico da liturgia pascal em muitos outros aspectos: a celebração iniciando ao ar livre, a noite iluminada, a água batismal, o final da celebração ao nascer do sol… Estes elementos cósmicos, com leituras bíblicas, cantos, orações e gestos corporais, tratados com reverência em nossa celebração, expressam, no plano simbólico, melhor que qualquer conceito, o mistério pascal de Cristo, possibilitando nossa participação neste movimento de passagem da morte à vida, das trevas à luz, com todo o universo em trabalho de parto na expectativa da plena libertação. E a partir da ação ritual, o Espírito que faz novas todas as coisas, despertará em nós o reconhecimento do cosmos como sacramento primordial da manifestação de Deus, e o desejo de assumir uma ética de compaixão e cuidado para com as pessoas e a criação, como atitude decorrente da páscoa que celebramos. Que nos anime, as palavras de S. Gregório Nazianzeno: Ó grande e santa Páscoa, remissão do mundo inteiro! Eu falo a ti como a um ser vivo (Oratio, 45,30).
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