Temos insistido nas últimas edições de nossa revista sobre a Liturgia como fonte no caminho da comunidade cristã; a Liturgia como escola na qual se aprende a crer de coração, a orar e a viver a fé à luz da memória pascal do Cristo e da Igreja. Como gostava insistentemente de lembrar nosso querido e saudoso dom Clemente Isnard, o grande impulsionador da reforma litúrgica entre nós, podem-se cultivar muitas espiritualidades, ao gosto de cada um, de cada uma, de segmentos específicos de cristãos e cristãs, como são, por exemplo, as várias ordens, institutos ou movimentos religiosos. Mas a espiritualidade da Igreja é a espiritualidade litúrgica, que tira da tradição mais antiga e genuína o seu alimento, sobretudo das Sagradas Escrituras, resplandecentes nas leituras proclamadas, nas diversas formas de oração e no canto dos Salmos ou neles inspirado; espiritualidade vivida mistagogicamente no ritmo estabelecido pelo ano litúrgico, itinerário sabiamente construído pela experiência das Igrejas cristãs do Oriente e do Ocidente.
Tal caminho proposto com novo vigor pela reforma litúrgica do Concílio Vaticano II supõe iniciação à fé, em itinerário que não seja apenas transmissão intelectual da doutrina, mas processo progressivo de adesão a Jesus, de profissão da fé nos momentos celebrativos no tempo da catequese, de vivência da fé no cotidiano da existência humana. Dessa forma, a pessoa aprende que a fé não é apenas condição para celebrar o sacramento, mas que a própria fé tem dimensão sacramental, se expressa mediante sinais sensíveis e, assim, realiza o que significa pela força do Espírito, que torna eficaz a ação da Igreja. Aprende também que a fé não é realidade acabada no final do processo de iniciação cristã; ao contrário, tem o dinamismo da própria existência humana, coincide com a vida pessoal e comunitária cotidianamente entregue a Deus, em Cristo, no serviço lúcido e coerente do Reino de Deus.
Nem sempre, porém, a compreensão que emerge do Concílio Vaticano II aparece na prática celebrativa da Igreja. Não raro a celebração dominical, sem a necessária preparação, seja da parte de quem exerce ministérios, seja da parte da própria assembleia, está destituída de profundidade espiritual. Muitas vezes, os sacramentos são celebrados como mera formalidade. Pouco investimento se faz para devolver ao povo de Deus o Ofício Divino, com sua riqueza bíblica e espiritual, dando lugar às mais variadas e duvidosas formas de pietismo devocional.
Pensemos na Jornada Mundial da Juventude, um evento de tal grandeza não somente à Igreja Católica do Brasil e do mundo, mas a todo o povo. Que oportunidade tivemos para tratar a liturgia com toda a seriedade que ela merece, à altura do papa Francisco, tão despojado de artifícios em seu ministério de presidência, numa Igreja que tanto fez para aplicar os princípios da reforma litúrgica do Concílio Vaticano II. No entanto, bastaria uma análise superficial das músicas escolhidas, por exemplo, para a celebração final, a fim de atestar o quanto a liturgia não é percebida como fonte que alimenta a fé.
Na liturgia, a música não pode ser produzida por si mesma, com critérios subjetivos. Não basta qualidade estética, é decisivo que tal qualidade seja alusiva ao mistério celebrado, que cumpra sua função no contexto do rito e seu significado, no qual ela está inserida. Além disso, quem canta na liturgia é o povo de Deus, a assembleia dos batizados e batizadas, não cabe protagonismo de cantores e cantoras. Se aí estão, é para levar toda a assembleia a cantar ativamente, com conhecimento de causa.
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