Que liturgia, para qual Igreja? Eis a pergunta que emerge dos atuais cenários eclesiais. Os estilos litúrgicos são tão diversificados quantos são diferentes os modelos de Igreja coexistentes.
Os antigos diziam que a norma da oração estabelece e determina a norma da fé. Por sua vez, a norma da fé determina a maneira com que a Igreja ora em sua liturgia. Lex orandi e lex credendi interagem reciprocamente: a liturgia é fruto da fé da Igreja, elaborada ao longo dos tempos em diferentes culturas e vivida em sua experiência existencial e atual; a fé se alimenta e se resignifica, permanentemente, da fonte da liturgia e da Escritura. Esta é efetivamente a tradição patrística, fonte primeira à qual se volta o movimento litúrgico, que culminou no Concílio Vaticano II.
A evolução teológica posterior, com o método da escolástica, na Idade Média, buscou uma sistematização minuciosa das verdades reveladas, esclareceu e definiu tais verdades, em particular, no que diz respeito a presença real de Cristo na eucaristia e à função do sacerdócio ordenado. Valeu-se da especulação para chegar ao conhecimento, tornou-se conceitual, árida e racional, levando a própria liturgia a ajustar-se com as novas precisões teológicas. Resultado: perdeu-se nos detalhes em detrimento de uma visão global e mistagógica, sobretudo, em prejuízo da consciência da assembleia como sujeito celebrante. Sem acesso às precisões teológicas e à sua expressão litúrgica (em latim), ocorreu uma progressiva marginalização dos fiéis, como se a liturgia não fosse obra de todo o povo de Deus. Em compensação, o povo buscou uma espiritualidade sentimental, alheia à liturgia.
A própria arquitetura contribuiu para a marginalização do povo na assembleia litúrgica, separando-o do clero e dos acólitos que, por vezes, o substituíam. O coral, em lugar à parte, dificultava a interação com o canto da assembleia; os balaústres, que separavam o altar do presbitério, denunciavam a visão que a Igreja tinha de si mesma. Tampouco ajudava a uma integração o formato dos bancos e sua composição, mais reforçando a individualidade na relação com Deus do que promovendo a comunhão do corpo comunitário.
O movimento litúrgico, de volta às fontes, está profundamente enraizado na Escritura em sua interpretação patrística, sem separação entre teologia e espiritualidade. Os pais da Igreja não eram acadêmicos, eram pastores e mestres espirituais na fé. E nisto consiste a meta do Concílio ao retornar a esta fonte: promover a vida cristã. Toda a Liturgia será revista para devolver à Igreja a sua condição de sujeito, representada pela assembleia: a eucaristia, os demais sacramentos e os sacramentais, o ofício divino, o ano litúrgico, a música. Também o espaço terá que ser concebido como sinal sensível do mistério que se realiza, por obra do Espírito, na assembleia celebrante.1
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