A Páscoa atinge a sua plenitude com o dom do Espírito e a Igreja, nascida da água e do sangue jorrados da cruz do Cristo, torna-se manifesta aos olhos da humanidade no dia de Pentecostes. É o começo da missão, pelo dom do mesmo Espírito, que torna católica a Igreja e a faz capaz de alcançar cada ser humano na sua diferença de cultura e de linguagem, sem jamais impor a sua língua. A abertura às diferenças é, portanto, o primeiro fruto de Pentecostes e a língua é o sinal mais imediato dessa abertura.
Jesus, que era judeu, não pregou em hebraico e sim em aramaico, o modo de falar do seu povo, e nesta língua fez a sua última ceia. Os discípulos das primeiras gerações cristãs, fora da Palestina, anunciavam o Evangelho e celebravam a liturgia em grego, armênio ou outros idiomas, de acordo com cada localidade. E, à medida que o cristianismo se expandiu, os bispos e missionários não hesitaram em adotar as novas línguas na liturgia, como fizeram a Igreja bizantina e outras tradições do Oriente. Um exemplo conhecido e muito eloquente é o dos irmãos Cirilo e Metódio, missionários entre os eslavos da Morávia. Eles compreenderam que não podiam impor, aos povos por onde passavam, nem o Evangelho, nem a língua grega, nem os costumes da sociedade na qual foram educados, apesar de sua indiscutível superioridade. Esforçaram-se, ao contrário, por traduzir a Bíblia e a liturgia na língua que os eslavos podiam entender, a fim de tornar acessível a única palavra de Deus.
Não tivemos a mesma sorte no Ocidente. A língua grega, falada no Império Romano, ao longo do século III foi cedendo ao latim, que se tornou o idioma do Império no Ocidente. Mesmo depois da sua queda, e apesar da emergência de novas línguas (neorromanas e germânicas), o latim continuou sendo a língua oficial na Europa. A liturgia, que era celebrada em grego, a partir do século IV passa a ser celebrada somente em latim, para que o povo pudesse compreender. Contudo, no século XVI, o latim já não era entendido senão pelos eruditos. Apesar disso, foi mantido como língua litúrgica, uso justificado pelo zelo em preservar a fé da qual a liturgia é fiel guardiã.
O Concílio Vaticano II, à luz dos princípios teológicos por ele emanados, e com a finalidade de promover, na Igreja, a vida cristã, esmerou-se em renovar toda a liturgia. A edição do Missal e dos demais livros litúrgicos aprovados por Paulo VI (lex orandi) está em profunda consonância com a fé da Igreja (lex-credendi). A razão de propor a tradução na língua de cada povo consistiu justamente em proporcionar que o povo de Deus, participando conscientemente da liturgia, pudesse compreender o mistério da fé e conformar, segundo ele, a própria existência.
Cinquenta anos de liturgia em vernáculo, depois de séculos de aprisionamento da palavra pelo latim! É tempo de agradecer e de retomar, com nova responsabilidade, todo o significado desse evento. A mudança da língua implica em uma necessária mudança de linguagem, sobretudo na evangelização e na iniciação à experiência da fé, de modo que a liturgia possa, efetivamente, ser expressão e, dessa forma, ser, também, fonte da fé professada e vivida.
Avaliações
Não há avaliações ainda.