O documento do concílio Vaticano IH sobre a liturgia lembrava que “se houver em algumas regiões, principalmente nas
missões, povos que têm uma tradição musical própria, a qual desempenha importante papel em sua vida religiosa e social, a esta música se deve dar a devida estimação e o lugar conveniente, tanto para lhes formar o senso religioso, quanto para adaptar o culto à sua mentalidade” (SC 119).
Esta afirmação tem aberto um caminho surpreendente de criatividade nesses últimos 30 anos. Houve uma criação maravilhosa
de música litúrgica divulgada pelos compositores nos cursos de canto pastoral por todo o Brasil, enriquecida com as músicas emergentes nas comunidades de base, músicas que nasceram com características bem específicas, denominadas “cantos da caminhada”.
Nestas composições, deu-se importância à letra, partindo-se do fato de que, na liturgia da igreja católica, as pessoas foram privadas de palavras inteligíveis durante séculos. Muitos compositores souberam buscar no poço das tradições bíblica e litúrgica das várias Igrejas e nas tradições musicais da terra a fonte para suas aspirações, procurando levar a sério o que recebemos como método: o cuidado de ligar à boa letra uma música que lhe seja adequada… Temos bons exemplos desse esforço entre compositores católicos e de outras confissões. Muitos compositores, no entanto, por falta de uma formação litúrgica adequada e por acreditarem que, para o povo participar, eram necessárias melodias e palavras fáceis, fizeram muita coisa de pouca qualidade, sem maiores preocupações com a função teológica e espiritual da música na liturgia.
Ao lado dessas composições, há muitas outras, como, por exemplo, as que são veiculadas pelo movimento carismático na igreja católica e pelo movimento pentecostal de tradição evangélica. Nestas composições o que se privilegia é a melodia e sua capacidade de envolver a pessoa. Leva-se em conta, bem mais do que os conteúdos, a dimensão afetiva da música, indo-se ao encontro da sensibilidade atual das camadas populares que se empolgam com músicas de caráter mais livre e gratuito.
Estamos diante de uma situação complexa. De um lado, é fundamental que a música leve em conta a dimensão afetiva da fé,
que seja ritmada pela alegria, pelo encantamento e pelo prazer do encontro. Mas como discernir entre uma música que seja expressão da nossa cultura e as imposições que chegam até nós embrulhadas como “mercadorias” de consumo? Como levar a sério os critérios ditados pela sabedoria milenar que herdamos de nossos antepassados, levando igualmente a sério uma sensibilidade e um gosto aparentemente popular, que, muitas vezes, são fruto da manipulação dos meios de comunicação?
Nossa Revista, continuando o assunto da edição anterior, sugere algumas reflexões em torno destas questões. Não temos a pretensão de respondê-las exaustivamente, mas, pelo menos, queremos chamar a atenção para a problemática mais profunda que está por trás de uma composição ou, simplesmente, por trás da escolha que fazemos das músicas nas celebrações.
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