A crise gerada pela emergência sanitária neste ano de 2020 atinge o planeta em diferentes níveis e afeta, também, a Igreja.
Ouvimos dizer, de muitas e diferentes maneiras, que o mundo terá que ser reinventado depois desta dramática experiência, o que deve ocorrer desde a forma de gerenciar a economia até os modos de viver dentro de nossas casas. Se esta provação fizer de nós pessoas melhores e suscitar uma nova maneira de viver em sociedade, então teremos transformado a crise em uma grande oportunidade.
Na Igreja, diante da impossibilidade de os fiéis se reunirem em assembleia para a celebração eucarística, o imediato aparecimento de uma solução artificial via mídia põe a descoberto questões vitais, como o é a relação entre Igreja e Eucaristia. De repente nos damos conta do ponto em que estamos na assimilação da nova consciência eclesial emanada do Concílio Vaticano II: de um lado, realiza-se missa sem o povo, de outro, o ministro ordenado atua de forma autônoma, desconectado da assembleia dos batizados, da qual ele faz parte e em relação à qual o seu ministério se justifica. É no mínimo estranho ser convidado para uma ceia em que não se pode ter acesso à mesa e receber, como solução, a ideia de “comunhão espiritual”.
Felizmente, em vez disso, muitos presbíteros estão escolhendo não celebrar a Eucaristia sozinhos, gesto que evidencia tanto uma opção por compartilhar com seus fiéis o jejum eucarístico imposto, como uma preferência por acreditar em seu anseio de oração, propondo e apoiando outras formas de expressar a fé. Muitos deles têm feito deste tempo uma ocasião privilegiada para desacelerar-se do excesso de trabalho, a fim de meditar e vivenciar uma pacífica solidão.
Os fiéis, por sua vez, têm manifestado que possuem em seus corações o enraizamento da fé, o sensus fidei, e celebram nas pequenas Igrejas das suas casas, mediante a escuta das Escrituras, ditada pela liturgia diária e semanal, e por meio do Ofício Divino, reunindo-se em círculo ou colocando-se em oração silenciosa na presença de Deus.
Portanto já podemos reconhecer, neste momento tão difícil, um tempo propício para superar o clericalismo e para redescobrir formas concretas e significativas de exercer o sacerdócio comum dos fiéis. Oxalá a experiência de celebrar no restrito ambiente da casa nos devolva definitivamente o caráter imprescindível da participação efetiva, ativa e consciente, e livre a Igreja de tratar o povo como mero espectador (Cf. SC 48).
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