A afirmação de que liturgia é a norma da fé se justifica não só porque “nos ritos e preces” está inscrito o que a Igreja crê, mas, sobretudo, porque, sendo o rito composto de sinais que atingem a nossa corporeidade, quando os realizamos nós fazemos, de forma sensível, a experiência do crer e, assim, somos atingidos pelo ritual litúrgico na inteireza do nosso ser. Na liturgia, teologia primeira, reconhecemos a nossa fé e somos permanentemente lembrados(as) de quem somos e impulsionados(as) a viver segundo o que cremos. É muito apropriado lembrar, aqui, a famosa afirmação de Ambrósio de Milão (século IV): Se “desejas crer como creem os cristãos, então reze como rezam os cristãos”.
Entendemos, afinal, porque foi tão importante o trabalho do Concílio Vaticano II no sentido de restaurar os ritos, libertando-os dos acúmulos e das ausências a que tinha sido acometidos ao longo de séculos, de modo que voltassem a ser norma da fé de forma sensível e compreensível e a fim de que retomassem o seu lugar de fonte de vida
Cristã, da catequese e da teologia.
A esse propósito, trouxemos, nesta edição, destaque para o formulário litúrgico da festa de Santa Maria Madalena, celebrada no dia 22 de julho. Reformado pelo Concílio Vaticano II, o texto devolveu a essa mulher a sua identidade de discípula amada do Senhor e primeira apóstola da Ressurreição. Mais recentemente, em 2016, o papa Francisco
elevou à categoria de festa a sua memória e, além disso, acrescentou ao formulário um prefácio que apresenta, à luz do seu encontro com o Ressuscitado, ocorrido no primeiro dia da semana, um verdadeiro “retrato” escrito de Madalena.
Depois de ter sido silenciada por séculos e de ter a sua biografia alterada por discutíveis hermenêuticas dos textos bíblicos, Madalena foi reabilitada pela Igreja, na liturgia, lugar de onde sempre jorra a fonte vital da fé. O Magistério poderia ter escrito um texto doutrinal, elucidando a figura dessa tão importante testemunha da fé, mas preferiu
corrigir o formulário litúrgico e elevar a sua memória à categoria de festa, assegurando para todos o acesso ao seu testemunho.
De fato, o povo das comunidades não frequenta, em geral, uma escola de teologia, ou um curso bíblico, mas, participando da liturgia, pode ter acesso a um hino, a uma oração, a uma leitura bíblica ou a uma homilia. E, dessa forma, o rito, com sua força simbólica, que engaja a pessoa na sua totalidade, vai, aos poucos, modificando o
modo de pensar a respeito dessa tão importante testemunha da páscoa e, sobretudo, vai inspirando outras mulheres e a própria Igreja a uma renovação, a qual, pela liturgia, reconhece a importância das discípulas de Jesus, de ontem e de hoje.
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