Revista de Liturgia Edição 292 – Reginaldo Veloso, artesão do “canto do chão” da Igreja no Brasil

Reginaldo Veloso foi um ser humano de extrema grandeza e de envergadura incomum. Presbítero leigo, poeta, compositor, liturgista, ativista social, pautou toda a sua vida pelo Evangelho dedicando-se incansavelmente, com todos os recursos humanos de que era dotado, à
causa da evangelização, numa atuação que se deu, primordialmente, entre as “minorias abraâmicas”, expressão criada por Dom Helder Câmara, na ditadura de 1964, para falar das pessoas de diferentes lugares da terra, dentro de todas as raças e religiões, capazes de acreditar e de entregar a própria vida por um mundo justo e solidário. Reginaldo transitava com igual inteireza entre a árdua militância nos movimentos sociais e a entrega amorosa na gratuidade da liturgia. Compôs inúmeras músicas de protesto ou destinadas à evangelização, mas seu legado maior foi o acervo que produziu em matéria de música ritual, especialmente para a missa e para o Ofício Divino das Comunidades. Contribuiu, ainda, na criação de um repertório litúrgico para a Igreja do Brasil, atuando na sua comunidade local, desde que foi pároco, no Morro da Conceição, em Recife, também na Rede Celebra de Animação Litúrgica, que ajudou a criar, em 1995, e teve, igualmente, expressiva participação no setor de música litúrgica da CNBB nacional, ao longo de praticamente 60 anos de recepção do Concílio Vaticano II. Não fazia música genérica para celebrar a fé. Enraizado que era na Tradição da Igreja e da cultura popular, suas criações musicais tinham como destino certo o chão do rito no contexto do tempo litúrgico, em diálogo com a piedade popular e com a experiência eclesial das comunidades de base. Esse foi, aliás, o seu diferencial. Uma vez nos contou que, quando voltou de Roma, ao terminar os estudos, se perguntava se no Brasil não se acharia, nas raízes melódicas da cultura, algo que correspondesse ao
gregoriano, em beleza e profundidade. E a primeira intuição que teve, como resposta a essa indagação, foi a versão do salmo 80(79), “Eis que de longe vem o Senhor”, composta como canto de comunhão no tempo do Advento. A notícia da sua Páscoa para a casa do Pai, no dia 19 de maio deste ano de 2022, fez nascer de imediato, superando a tristeza de sua morte, um sentimento de imensa gratidão, por tudo quanto fomos agraciadas e agraciados ao ter parte na sua vida e missão. Para dar visibilidade a este sentimento coletivo, a nossa Revista, sem interromper a sua programação sobre o tema do Missal Romano, abre espaço, nesta edição, para diferentes testemunhos a respeito da sua trajetória humana e espiritual, numa espécie de grande “recordação da vida”, momento do ofício que ele tanto prezava. Assim manifestamos nosso agradecimento pela colaboração que Reginaldo deu à nossa Revista. Contribuição realizada, a primeira vez, em 1986, com um artigo sobre os prefácios populares, que trazia as versões e melodias de sua autoria, e, a última vez, no ano passado, na edição 286, quando, a nosso pedido, compôs o que faltava para os ofícios na festa de Maria Madalena, a discípula amada. Não podia ter feito coisa mais bonita para encerrar a sua carreira de cantor da Páscoa de Cristo na Páscoa do povo, este presbítero tão identificado com uma Igreja madalena e samaritana, como na expressão cunhada, em outubro de 2019, pelo documento final do Sínodo da Amazônia.