O papa Francisco tem insistido sobre a importância da reforma litúrgica realizada em obediência ao Concílio Vaticano II, reafirmando a indiscutível relação entre ela e a reforma da Igreja e enfatizando a importante tarefa da formação. Na Carta apostólica Desiderio desideravi (DD), sobre a formação litúrgica do povo de Deus, de 2022, ao propor um caminho de formação litúrgica, ele reconhece que o próprio ato de celebrar é a primeira escola na qual, ao participar ativamente dos ritos e das preces, se compreende a teologia litúrgica.
O tema da formação litúrgica na Desiderio desideravi repercute Romano Guardini (1885-1968), o grande liturgista do movimento litúrgico que abriu perspectivas no campo da renovação litúrgica e da formação mediante a forma singular do fazer ritual, tipo de ação simbólica com a qual a cultura moderna perdeu a capacidade de interagir (DD n. 27). Francisco contrapõe ao subjetivismo e à autoreferencialidade (gnosticismo), a celebração do mistério na modalidade ritual estabelecida pela Igreja (DD n. 23). A ação litúrgica não pertence ao individuo, mas ao corpo comunitário, Cristo-Igreja. No rito, o “eu” cede lugar ao “nós” para nos conduzir pela mão ao mistério, “seguindo o caminho da Encarnação pela linguagem simbólica do corpo, que se estende às coisas, ao espaço e ao tempo” (cf. DD n. 19).
A recepção da terceira edição típica do Missal Romano é um marco e uma nova oportunidade de perfazer o que determina o
missal de Paulo VI desde a sua promulgação (1969/70), a saber, que esteja ao alcance dos fiéis uma forma ritual coerente com a
nova compreensão que a Igreja tem de si mesma e da sua missão, no mundo, conforme o seu modo de celebrar, que se configura, desde as origens, como norma da fé. Para chegar aos frutos almejados, a formação se faz imprescindível, pela e para a Liturgia, num processo que requer experiência de celebrar, obedecendo na prática ao que o rito propõe, não como mera observação de rubricas, mas tomando o rito como um guia sábio capaz de conduzir ao mistério.
Nossa Revista de Liturgia, que há 50 anos tem se colocado a serviço da Pastoral Litúrgica na Igreja do Brasil, atenta aos avanços da prática celebrativa das comunidades e do estudo da teologia litúrgica, sempre em comunhão com as diretrizes da Comissão Episcopal para a Liturgia, mais do que nunca se faz porta-voz dos esforços para levar adiante a obra começada, articulando o Missal Romano, o pensamento de Romano Guardini e a Carta apostólica Desiderio desideravi. O que está em jogo é o modelo de Igreja engendrado pela Concilio Vaticano II do qual a liturgia é fonte e escola.
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