Celebrar 50 anos da II Conferência do Episcopado Latino-americano, ocorrida em Medellín, significa comemorar, em tom profético, num continente marcado por ditaduras militares e por uma situação social de extrema pobreza, a recepção criativa do Concílio Vaticano II. Os anos que se sucederam a Medellín foram de grande busca por uma Igreja de rosto próprio, inserida no meio dos pobres, missionária, militante contra as forças da morte e a favor da vida, e, por isso, também martirial. Quantos e quantas ofertaram a própria vida para se manterem fiéis ao Evangelho de Jesus?
Nesse contexto, também a liturgia ganhou fisionomia própria, ao associar a páscoa de Cristo à páscoa do povo, vivida no cotidiano e nas lutas pela terra, pelo trabalho, por melhores condições de vida. Imbuídas desse sentido, as comunidades eclesiais de base cunharam, inclusive, a expressão liturgia-vida, expressando uma coerência entre a fé celebrada e a fé feita serviço e profecia.
Meio século passado, muita coisa mudou no continente e no mundo. Também na Igreja desvirtuou-se a eclesiologia do povo de Deus, enfraquecendo a comunidade como lugar de vida fraterna e de serviço aos pobres. Tais transformações se veem refletidas na liturgia, às vezes conduzida de maneira tão formal que não possibilita a participação no mistério, outras vezes ordenada com um sentido que vai na contramão da reforma, voltando-se às práticas anteriores ao Concílio, ou, ainda, simplesmente assumindo expressões extravagantes, em nada identificadas com a Igreja de Medellín.
Contudo, embora as circunstâncias não sejam as mesmas, o que não mudou foi a gritante situação dos pobres, vítimas da ganância de uma minoria que detém poder e riqueza. O papa Francisco tem se colocado à escuta desse clamor que sobe de toda parte e tem convocado a Igreja a reler o Concílio neste novo contexto de mundo e a se colocar em movimento de saída, de modo a resgatar e dar novo impulso à tradição eclesial de Medellín-Aparecida. A respeito da reforma litúrgica, o papa diz claramente que se trata de um processo “irreversível” e que “a educação litúrgica de pastores e fiéis é um desafio a ser enfrentado sempre de novo”.
No Brasil, temos um longo caminho e muitas conquistas, graças ao trabalho incansável de grupos e órgãos, como da Comissão litúrgica da CNBB, a pastoral litúrgica, com suas diversas instâncias de organização, o Centro de Liturgia dom Clemente Isnard, a Rede Celebra de animação litúrgica… O Ofício Divino das Comunidades, completando 30 anos desde sua primeira edição, é um fruto maduro desse processo. Diante de tantos eventos envolvendo a liturgia e a história da Igreja, no continente e no Brasil, é tempo de perfazer os caminhos trilhados, com a esperança e a audácia dos que se deixam mover pelo Espírito.
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