Quando o monge belga Lambert Beauduin, no início do século XX, propôs um Movimento Litúrgico para redescobrir a liturgia como indispensável fonte do verdadeiro espírito cristão mediante a participação ativa, evocava para isto três atribuições da liturgia: testemunha fiel da tradição, expressão comunitária da fé e escola de vida cristã no caminho do ano litúrgico.
Depois de séculos alimentando a fé com exercícios de piedade e com devoções, quanto foi bem-vinda pelo povo de Deus a restauração da vigília pascal por Pio XII e a reforma de todo o Ano Litúrgico pelo Concílio Vaticano II, que colocou no centro da espiritualidade cristã o mistério da morte e Ressurreição do Senhor!
Com a revisão do Ano Litúrgico e do Calendário, o Concílio os tornou mais inteligíveis. O domingo voltou a ser a celebração semanal da páscoa, os tempos litúrgicos retomaram seu sentido de memorial da morte e ressurreição de Jesus e o significado da memória de Maria e dos santos como testemunhas qualificadas da Páscoa foi igualmente recobrado. Os diferentes aspectos da páscoa do Senhor são evocados ao longo de um ano, não como um repetir-se monótono de fatos cronológicos, mas como representação sacramental do único mistério de Cristo, realizado uma vez por todas, e revivido nas etapas da Igreja.
Com sua força e eficácia sacramental, articulando continuidade e ciclicidade, sob a direção da palavra de Deus, o Ano Litúrgico sugere um percurso em espiral, que responde às exigências de crescimento progressivo na fé, tanto para os fiéis, quanto para os catecúmenos. A riqueza dos elementos rituais possibilita à comunidade de fé, e aos que são nela iniciados, ressignificar o seu próprio itinerário, à luz do caminho percorrido pelo seu Senhor, até alcançar o pleno conhecimento e a estatura da sua plenitude (cf. Ef 4,13).
Passado meio século, reconhecemos os inegáveis avanços na compreensão e na prática pastoral do Ano Litúrgico, mas ainda estamos longe de fazer dele um percurso espiritual com intensidade crescente a cada ano. No momento atual, estamos assistindo a um esvaziamento da reforma litúrgica promovida pelo Concílio, antes mesmo que pudéssemos chegar à sua maturação. Tudo o que está previsto se cumpre, mas não com a profundidade requerida para fazer de cada celebração no tempo uma fonte no caminho (Sl 110) para alimentar devidamente a piedade dos fiéis (SC 107). E o vazio acaba sendo preenchido por iniciativas devocionais, anos temáticos, nem sempre com o devido respeito à natureza específica da Liturgia.
Oxalá não paremos na metade do caminho. O ano litúrgico não é automaticamente eficaz, mas supõe uma pedagogia pastoral, que vai da evangelização à celebração, e uma mistagogia da celebração, que conduz à vivência da fé e ao serviço na missão. Pensemos nas crianças e na juventude em processo de iniciação, pensamos nos adultos, homens e mulheres, que não tiveram a oportunidade de uma evangelização e catequese qualificadas. A qualidade da Palavra em cada celebração – palavra da Escritura e palavra da oração da Igreja cumprirá a função de instruir e corrigir, educar na justiça e qualificar para toda boa obra (cf. 2 Tm 3,16-17).
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