O mundo passa por esta Pandemia Covid19. A Igreja é provada e somos chamados e chamadas a viver o Tríduo Pascal em casa. A Revista de Liturgia preparou um aprofundamento bíblico para os textos das celebrações mais importantes de todo o ano litúrgico. Leia. Este texto é escrito pela Ir. Helena Ghiggi que é Pia Discípula do Divino Mestre, mestra em Bíblia e assessora cursos de formação bíblica.

 

ESTE É O DIA QUE O SENHOR FEZ PARA NÓS; ALEGREMO-NOS E NELE EXULTEMOS! (Sl 118,24)

 

QUINTA FEIRA NA CEIA DO SENHOR

 

A antífona da entrada nos introduz no mistério da paixão, morte e ressurreição do Senhor: “A cruz de nosso Senhor Jesus Cristo deve ser a nossa glória: nele está nossa vida e ressurreição; foi ele que nos salvou e libertou” (Gl 6,14). A cruz, maldição (Dt 21,22-23), instrumento de tortura, torna-se sinal de salvação na entrega de Jesus. A oração do dia enfatiza o sentido da “santa ceia, na qual o Filho único do Pai, ao entregar-se à morte, deu à sua Igreja um novo e eterno sacrifício, como banquete do seu amor”.

Nesse momento difícil de sofrimento causado pelo Covid-19, o Papa Francisco destaca que o Senhor reanima a nossa fé pascal. Temos uma âncora: na sua cruz, fomos salvos. Temos um leme: na sua cruz, fomos resgatados. Temos uma esperança: na sua cruz, fomos curados e abraçados, para que nada e ninguém nos separem do seu amor redentor (homilia, 27/03/2020).

 

O texto do evangelho segundo João (Jo 13,1-15) faz referência a Última Ceia, mas não relata a instituição da eucaristia, pois Jesus já havia revelado sua vida como pão e vinho, verdadeira comida e bebida (Jo 6,51-58). Aqui o evangelista traz o gesto do lava pés, símbolo do amor gratuito de Jesus aos irmãos e irmãs, memorial de sua atuação ao longo do ministério. “Tendo amado os seus que estavam no mundo, amou-os até o fim” (Jo 13,1). O “Mestre e Senhor”, com seu exemplo de humilde serviço, ensina um novo modo de viver na fraternidade, que transforma as desigualdades e toda forma de injustiça e dominação. O cuidado recíproco, realçado no mandamento novo de “amar como Jesus amou” (Jo 13,34-35), é essencial para que todos tenham vida digna. Como Igreja doméstica, somos chamados a celebrar a memória da entrega radical de Cristo, servidor até a cruz, solidários com o bem comum de toda a sociedade, de toda a comunidade.

 

A Leitura do livro do Êxodo (Ex 12,1-8.11-14) recorda a Páscoa dos hebreus, antiga festa pastoril que se torna memorial da passagem da escravidão no Egito para a liberdade em busca da terra prometida, de vida melhor para todos os povos. O Salmo 116 (115) mostra que o povo agradece a salvação e os benefícios recebidos do Senhor, “erguendo o cálice da salvação”, gesto de compromisso com o seu projeto. Paulo, na Leitura de 1Coríntios (1Cor 11,23-26), apresenta a narrativa mais antiga da Ceia do Senhor. “Este é o Corpo que será entregue por vós, este é o cálice da nova aliança no meu Sangue, diz o Senhor. Todas as vezes que os receberdes fazei-o em minha memória”. A eucaristia, memória da morte de Jesus como dom de vida para a humanidade, é testemunhada na compaixão, cuidado, partilha com os irmãos (1Cor 11,17-34).

 

SEXTA FEIRA DA PAIXÃO DO SENHOR

 

O caminho de fidelidade trilhado por Jesus, Servo sofredor, é acentuado já na aclamação ao evangelho: “Jesus Cristo se tornou obediente, obediente até a morte numa cruz, pelo que o Senhor Deus o exaltou, e deu-lhe um nome muito acima de outro nome” (Fl 2,8-9). A narrativa da Paixão de Jesus segundo João (Jo 18,1–19,42) acentua o sentido soteriológico, salvífico da morte de Jesus, e também o significado de revelação na qual a natureza profunda de Deus se torna manifesta. Jesus revela o Deus compassivo que ouve o clamor do povo “Eu Sou” (Jo 18,6; Ex 3,14), e livra os discípulos dos que chegam para prendê-lo com a força e a violência.

 

Conduzido ao palácio dos sumos sacerdotes, Jesus aguarda a reunião do Sinédrio na manhã seguinte. Após o julgamento, ele é enviado ao pretório onde ficava o governador romano, de modo que sua acusação torna-se política. Diante do poder imperial, Jesus reafirma que seu Reino não é deste mundo e dá testemunho da verdade, que é ele mesmo (Jo 14,6). Apesar de ser reconhecido inocente Jesus é condenado à morte, consequência de seu compromisso com as vítimas do sistema, com os últimos. Assim, Jesus assume livremente o caminho até o Calvário, carregando a própria cruz. “Crucificaram Jesus no meio de outros dois”, com tantas pessoas que carregam a cruz da violência, desemprego, fome. O sofrimento de Jesus até à morte violenta na cruz não é da vontade do Pai, mas causa de salvação e fonte de vida e libertação para a humanidade.

Em meio a tanta dor, Jesus não se encontra só, ao pé da cruz a comunidade fortalece a fé e a esperança para dar continuidade à missão. A presença da mãe de Jesus, como nas bodas em Caná da Galileia (Jo 2,1-12), sublinha que chegou a “hora” da glorificação do Filho. A solidariedade dos discípulos e discípulas junto ao Mestre na cruz multiplica-se através dos gestos de bondade de tantas pessoas, que consolam os doentes, os idosos, os abandonados. “Tudo está consumado” revela a soberania de Jesus, que completa a obra confiada pelo Pai com fidelidade. “E, inclinando a cabeça, Jesus entregou o Espírito” como dom de vida nova para seus seguidores e seguidoras.

 

Nenhum osso é quebrado de Jesus, o verdadeiro Cordeiro Pascal (Ex 12,46), que entrega a vida enquanto eram imolados os cordeiros para a Páscoa. A leitura do Livro do Profeta Isaías (Is 52,13–53,12) é o quarto cântico do “Servo do Senhor”. Convida a contemplar a vida do Servo oprimido e exaltado, cujo sofrimento substitui a culpa do povo, como prefiguração de Jesus Cristo. O Salmo 31 (30) é um cântico de lamentação e confiança, que Jesus rezou na cruz: “Pai, em tuas mãos entrego o meu espírito” (Lc 23,46). A leitura da Carta aos Hebreus (Hb 4,14-16; 5,7-9) ressalta a solidariedade de Jesus com a humanidade e sua fidelidade ao Pai, que o tornam fonte de salvação, mediador único e definitivo.

O Papa Francisco fala de tantos companheiros de viagem exemplares, que arriscam suas vidas para curar e defender as pessoas. É a força operante do Espírito derramada e plasmada em entregas corajosas e generosas. É a vida do Espírito, capaz de resgatar, valorizar e mostrar como as nossas vidas são tecidas e sustentadas por pessoas comuns, que hoje marcam os acontecimentos decisivos da nossa história: médicos, enfermeiros e enfermeiras, trabalhadores dos supermercados, pessoal da limpeza, cuidadores, transportadores, forças policiais, voluntários, sacerdotes, religiosos e muitos – mas muitos – outros que compreenderam que ninguém se salva sozinho (homilia, 27/03/2020).

 

VIGÍLIA PASCAL DO SENHOR

 

A Páscoa infunde confiança no Pai, que nunca abandona seus filhos/filhas e oferece a plenitude da vida à humanidade mediante a ressurreição de seu Filho Amado. No texto do evangelho segundo Mateus (Mt 28,1-10), a vida nova que jorrou do Crucificado fortalece a fé e a esperança da comunidade, impelida a realizar a missão na certeza da presença viva do Ressuscitado. As discípulas fiéis desde a Galileia, que permanecem junto de Jesus e o acompanham até a paixão e a morte de Cruz (Mt 27,55-56), se dirigem ao local onde o Mestre fora enterrado para “ver o sepulcro”. A experiência pascal possibilita encontrar novos caminhos, para anunciar a Boa Nova do Reino após a morte de Jesus Cristo.

 

A pedra que fechava o túmulo (Mt 27,60) foi removida pelo anjo do Senhor, cuja aparência fulgurante evoca o transfigurado-ressuscitado (Mt 17,2). O diálogo do anjo com as mulheres (Mt 28,5-7) ilumina a “não ter medo”, que corresponde a manter viva a fé. Jesus, o Crucificado a quem procuravam, “foi ressuscitado”, voz passiva que acentua a intervenção divina na vitória da vida sobre a morte. A missão confiada às mulheres, no anúncio da ressurreição de Jesus aos discípulos, rompe o esquema social excludente que não reconhecia o testemunho delas. Enquanto as mulheres corriam para anunciar a Boa Notícia aos discípulos, o Ressuscitado vem-lhes ao encontro e as saúda com a alegria pascal, plenificando-as de confiança. As mulheres se prostram diante do Senhor, reconhecendo sua presença que conduz no caminho para a Galileia, região onde o Mestre havia iniciado o ministério (Mt 4,12-17).

As Leituras recordam as grandes maravilhas realizadas por Deus ao longo da história da salvação, plenificada na ressurreição de Jesus. O Ressuscitado é a primícia da nova criação, que faz resplandecer a luz sobre as trevas do pecado e da morte. Filho único, que passa pela cruz assumida por amor fiel, Jesus revela o Deus que quer a vida como no episódio de Abraão e Isaac. A Páscoa de Jesus realiza plenamente o êxodo, a libertação do povo que atravessa o Mar Vermelho em busca da Terra Prometida. Em Jesus manifestam-se a consolação do povo e o banquete messiânico, anunciados no fim do exílio babilônico (Is 54 e 55). A vida doada de Jesus interpela a converter e a renovar o coração, como proclamam Baruc e Ezequiel. Rm 6,3-11 sublinha a participação na morte e ressurreição de Cristo pelo batismo, que nos reveste da vida nova para construirmos a fraternidade entre os povos (Revista de Liturgia, Março/Abril, 2020).

O Papa Francisco diz que a resposta de Deus ao problema da morte é Jesus: Eu sou a ressurreição e a vida… Tenham fé! Em meio ao choro continuem a ter fé, ainda que pareça que a morte tenha vencido. Removam a pedra de seus corações! Deixem que a Palavra de Deus leve de novo a vida onde há morte. Deus não nos criou para o túmulo, nos criou para a vida, bela, boa, alegre. Jesus Cristo veio nos libertar dos laços da morte. Cristo vive, e quem o acolhe e se une a Ele participa da vida. O batismo nos insere no Mistério Pascal de Cristo. Pela ação e a força do Espírito Santo, o cristão é uma pessoa que caminha na vida como uma nova criatura: uma criatura para a vida, e que vai em direção à vida. Que a Virgem Maria nos ajude a sermos compassivos como o seu Filho Jesus, que fez sua a nossa dor. Que cada um de nós seja próximo daqueles que estão sofrendo, tornando-se para eles um reflexo do amor e da ternura de Deus, que liberta da morte e faz vencer a vida (29/03/2020).

 

DOMINGO DA PÁSCOA

NA RESSURREIÇÃO DO SENHOR

 

A oração do dia realça o sentido da “ressurreição de Jesus” como acontecimento central da nossa fé: “Ó Deus, por vosso Filho Unigênito, vencedor da morte, abristes hoje para nós as portas da eternidade. Concedei que, celebrando a ressurreição do Senhor, renovados pelo vosso Espírito, ressuscitemos na luz da vida nova”. O Ressuscitado caminha conosco, sustentando a nossa fé e esperança nesse momento de trevas e morte, causada pela pandemia. No texto do evangelho segundo João (Jo 20,1-9), Maria de Mágdala se dirigiu ao sepulcro no alvorecer do “primeiro dia da semana”, quando ainda estava escuro. A ressurreição de Jesus inaugura a nova criação, a vitória da vida sobre o pecado da injustiça e da morte. A caminhada de fé da comunidade leva a compreender os sinais do sepulcro, o poder da vida que vence a morte pelo amor solidário.

Com a experiência pascal, os que foram ao sepulcro à procura do corpo de Jesus compreendem as Escrituras, que anunciavam o corpo do Ressuscitado como novo e definitivo santuário da humanidade (Jo 2,21). A comunidade unida como “Corpo de Cristo” continua a missão libertadora de Jesus, conduzida pela força do seu Espírito (Jo 20,11-23). No texto do evangelho segundo Lucas (Lc 24,13-35), Jesus ressuscitado caminha com os discípulos de Emaús, reafirmando a presença viva de Deus que nunca abandona o seu povo. O Ressuscitado se faz presente na escuta e compressão da Palavra: “Não estava ardendo o nosso coração, quando ele nos falava pelo caminho e nos abria as Escrituras?”. Os olhos dos discípulos se abrem verdadeiramente, quando repetem os gestos de acolhida de Jesus “fica conosco”, e da entrega de sua vida por amor “tomou o pão, abençoou, partiu e deu a eles” (22,19; 24,30).

A Leitura dos Atos dos Apóstolos (At 10,34a.37-43) é um anúncio querigmático sobre Jesus de Nazaré, o Ungido de Deus que passou a vida fazendo o bem e curando todos os males; foi morto pelas autoridades, mas “Deus o ressuscitou no terceiro dia” e permanece na vida da comunidade como “o Senhor de todos” (10,36). O salmo 118(117), ação de graças a Deus pelas vitórias que dá ao seu povo, celebra a esperança de nossa libertação definitiva na ressurreição de Cristo: “Este é o dia que o Senhor fez para nós; alegremo-nos e nele exultemos”! A Leitura da Carta aos Colossenses (Cl 3,1-4) reflete a experiência de morte e ressurreição pela fé batismal (Cl 2,12), que faz trilhar o caminho da vida nova, buscando as coisas do alto, os valores do Reino anunciados por Jesus.

 A leitura orante da Palavra faz arder o nosso coração e permanecer vigilantes, nesse momento em que a prioridade deve ser a vida das pessoas. O Papa Francisco nos alerta: sabemos que defender as pessoas supõe um prejuízo econômico. Mas seria triste se o oposto fosse escolhido, o que levaria à morte muitas pessoas, algo como um “genocídio viral” (carta enviada a Roberto Andrés Gallardo). O Ressuscitado caminha conosco, suscitando “novas formas de hospitalidade, de fraternidade e de solidariedade”. Cantemos com esperança: “Da região da morte cesse o clamor ingente: Ressuscitou! exclama o anjo refulgente. Jesus, perene Páscoa, a todos alegrai-nos. Nascidos para a vida, da morte libertai-nos. Louvor ao que da morte ressuscitado vem, ao Pai e ao Paráclito eternamente. Amém”. (hino de Laudes, no Domingo da Páscoa).

 

https://revistadeliturgia.com.br/product/revista-de-liturgia-edicao-272-50-anos-de-medellin-a-liturgia-de-ua-igreja-pobre-a-servico-dos-pobres/

 

https://revistadeliturgia.com.br/product/assinatura-anual-digital/

https://revistadeliturgia.com.br/product/assinatura-anual-impressa/

 

Deixe um comentário